quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Inquietações do século XX

Comecei o dia com uma aula sobre a evolução a partir da alta sociedade parisiense até as mais angustiantes representações européias durante a primeira guerra. Como ponto de partida, uma carta de um jovem de 26 anos, em 1907, já desiludido com o fato de não ter conseguido realizar seus impulsos de juventude (planos e possibilidades que tinha aos 19 anos). Me pareceu o mais belo ápice de um romantismo deseperado que vai do topo do mundo - quando se tem 19 anos e nenhum pudor em enfrentar qualquer assunto, planejar escrever e realizar mundo e fundos - ao fundo do poço, quando já se passou a metade dos vinte, perdeu-se a completa liberdade de tratar de assuntos complexos (uma vez que se adquiriu mais conhecimento e se tornou mais crítico em relação ao que uma mente jovem pode pensar) e se percebe que boa parte dos planos primeiros é quase irrealizável.

Disso evolui que quase todos os pintores da época sofreram de angústia semelhante. O advento da guerra pode transformar um verdadeiro dande num resto de homem em sofrimento, como acontece com os auto-retratos de Max Beckmann. A guerra também atrai jovens artistas investigativos, sedentos de presenciar a morte de perto, de ver um corpo baleado desmoronar ao seu lado. As obras vão ficando tão densas, deformadas, ríspidas, com o correr da década, que é preciso ter muita centralidade emocional para conseguir trabalhar com esse ambiente. Eu adoro, mas por enquanto prefiro permanecer no Renascimento.

Durante a tarde, que mais parecia uma escada de transição para o gran finale da noite, fui escrevendo um trabalho sobre Os Retirantes, de Portinari, tentando imaginar que relações esse quadro poderia tecer com o riquíssimo ambiente das vanguardas russas, ou com um pintor variado como Matisse, ou ainda com a primeira produção do Vera Cruz, no Brasil, ou com uma peça performática de Stravinsky. É, não foi fácil, mas deveras interessante, poder tentar resumir boa parte de um século louco e cosmopolita em poucas páginas.

Como disse, a noite teve mesmo um belo fim, digno de última aula do semestre. Assiti pela primeira vez 2001: uma odisséia no espaço, e não poderia ter melhor impressão do filme. A cada cena sem diálogo meus olhos se encantavam, grudavam-se na tela, maravlilhavam-se com a inventividade desse diretor, que faz das músicas um ballet, uma descoberta, uma realização. Não é um filme longo, parado e cansativo, como ouço dizerem muitas vezes. É uma reunião de belas imagens em encadeamentos sublimes, com uma história que intermedia tudo. Uma história sem sentido, sim. Mas que fala à natureza humana. Cada um de nós sente que o filme nos diz algo sobre nós mesmos. Algo dos medos que enfrentamos, das incertezas, angústias; e do que é belo. Mas não podemos traduzir isso em palavras. Kubrick conseguiu traduzir em imagem e som.

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